quinta-feira, 29 de abril de 2010

Olhe por onde anda, moça.




O Sol era refletido pelas águas cristalinas que banhavam as areias do litoral de Siracusa. Mas cristalinas do ano de 1503 e não de 2010, cristalinas mesmo, que dá pra ver o que passa pelo seu pé. Por isso uma moça morena, lindíssima não tem desculpa alguma de ter pisado em um ouriço do mar. Era só ter olhado por onde andava, mas não. Estava pensando no seu grande amor, suspirando, correndo e girando feito uma boba quando pisou no que não deveria. Bem feito. Dizem que a dor é grande quando a gente pisa em um ouriço do mar. Não sei, eu olho por onde ando.

Ela continuou correndo e girando feito uma boba, mas agora por um motivo decente, bem feito. Procurou por alguém, mas não era muito comum as praias estarem cheias de gente como hoje. Mas de tanto barulho que ela fez, um pescador que passava a viu e foi ajudar. Na hora que ele viu aquele pé já soube o que era. Ouriço do mar. Dizem que também é venenoso. Não sei, eu olho por onde ando. Preocupado do jeito masculino com a saúde da formosa dama, deu uma carona de barco pra ela pelo rio até a cidade. Estava indo vender seu peixe no mercado e uma companhia daquelas não poderia ser dispensada.

O dia tinha começado bem para a bela senhorita, um lindo sol, um lindo mar, um lindo nada para se fazer o dia inteiro, e um lindo ouriço do mar em baixo do seu pé. Aquilo acabou com seu dia. Estava agora com o pé inchado, dividindo o espaço do barco com uma rede de pesca mal cheirosa com os peixes pulando de um lado para o outro. Não bastava isso, tinha que escutar as boas histórias do velho lobo do mar. Mas desses velhos nojentos, que até o último dente da boca não esperava por cair.

Sabe aquela sensação de quando a montanha russa chega ao fim? Alívio. Era isso que ela sentia quando desembarcou na cidade. O pescador ainda ofereceu mais alguma ajuda até o hospital, mas nunca que ela ia aceitar. Não aguentava o pescador tarado. Lá foi ela pela cidade, mancando e fedendo procurando pelo hospital. Que na verdade não era hospital, era só o lugar onde o doutor ficava. Até que não ficava muito longe para uma pessoa em bom estado, mas para quem estava com o pé daquele jeito, era uma eternidade. Por essa altura do dia não restava mais nada de lindo, só a porta de madeira com uma cruz vermelha. Quando ela ia abrindo um sorriso, ao mesmo tempo em que abria a porta, foi que o dia acabou de vez. Esperando ver um clássico médico careca, velho e barbudo, viu alguém bem diferente. Um médico novo, bonito e simpático. A maioria das mulheres adoraria uma surpresa desta. Mas não, nossa musa manca. Nem quando o médico é nosso atual ex-amor, e quando o relacionamento acabou de forma desastrosa.

Aquele clima pesado no ar rolando solto no hospital, o médico bonitão fazendo os procedimentos e quando tudo não podia ficar pior, ficou. Não, não começou a chover. Pior, seu atual amor, artista underground, pintor famosinho que não tem trabalho fixo passou pela janela.

Enquanto pessoas normais levariam um susto em ver sua namorada pela janela do hospital, o pintor achou uma inspiração, lindo, magnífico. Claro que ele não tinha visto o ex de seu amor no lado de dentro. Ninguém acharia mais uma inspiração. A cena da novela das oito estava pronta. O atual no meio da rua pintando a namorada no hospital. O ex dela fazendo o curativo sem perceber o que acontecia. E ela ali. Fazendo cara de quem sabe que está sendo filmada na entrega do Oscar, e perdeu o troféu para a arqui-rival, disfarçando calmamente.

Assim, desse jeito meio estranho, que o quadro mais famoso de todos os tempos foi pintado. Mas, será mesmo?

Não sei. Só sei que uma imagem pode até valer mais do que mil palavras, se bonita pode durar até metade de mil anos. Mas mesmo famosa, valiosa, bela e antiga; Da Vinci resolveu ser pintor e não redator. Não escreveu nada e por causa disso, até hoje, quase ninguém sabe quem foi e qual a verdadeira história de Mona Lisa

[ Texto inspirado no tema "Anúncio visual ou com texto?" ]

[ Rennê Roberto dos Santos é aluno do 3o. período de Publicidade & Propaganda da Univali ]

[ Ilustração: Mona Lisa de Botero ]

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