Confira este magnífico texto do redator Elóy Simôes, do site www.acontecendoaqui.com.br,
que fala sobre a polêmica do suposto "sumiço" dos textos na propaganda.
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"Quem matou o redator?
Por Elóy Simôes
1.Cada vez que eu tinha de apresentar um anúncio para aquele cliente, eu me preparava para uma batalha. A arma que ele utilizava para me atingir eram sempre as mesmas: pra que tanto texto? Ninguém lê isso.
Protegido pelo meu colete a prova de bolas, eu resistia. E respondia ao ataque com a única arma que possuía: a da confiança que o cliente, apesar das discussões acesas que a gente tinha, depositava em mim.
Tá, então vou aprovar. Só pra você não ficar triste.
Um dia, exausto e ainda tenso por causa do embate que tivemos, resolvi deixar passar no corpo de texto uma palavra com grave erro de linguagem. Não me lembro mais qual escolhi, mas era como se eu tivesse escrito Çuissa. Assim mesmo: com cedilha no começo e dois esses no fim.
O anúncio saiu no Estado de S. Paulo, e antes do almoço o cliente já me ligava:
Oh, Elóy, como é que você deixou passar aquele erro no texto? Estou com o saco cheio de gente que me telefona apontando o erro.
Fingi surpresa.Disse que olharia o anúncio publicado, e ligaria de volta. Mas não deixei barato:
Que estranho, você vive dizendo que ninguém lê texto. Como é que esse pessoal descobriu?
Funcionou. Nunca mais aquele cliente me aporrinhou por causa do texto.
2. Recebi uma série de manifestações - algumas reproduzidas no
http://www.aconcetendoaqui.com.br/ - a propósito do artigo que escrevi sobre a morte do texto e, em conseqüência, do redator. Agradeço a todos, inclusive os que me criticam, até porque entendo que nossa profissão precisa discutir mais. Sobre tudo. A diversidade de idéias oxigena, enriquece, quando manifestadas com honestidade.
Tomo a liberdade de comentar a do José Alfredo Abrão, que aponta uma culpada pelo assassinato do redator: a Instantaneidade:"O texto sumiu, acima de tudo, pela necessidade de sermos instantâneos. Pois hoje ninguém para mais do que alguns segundos diante de uma peça publicitária. Na vida que a gente leva, sob intenso bombardeio urbano-midiático, com oceanos de interatividade se abrindo no horizonte, simplesmente não há mais tempo disponível para a leitura."
3 .Será mesmo?
Será que dona Instantaneidade não está sendo injustiçada pelo nosso José Alfredo?
Se é ela, por que Editoras estrangeiras estão desembarcando no Brasil? Por que a Livraria Cultura, a FNAC, a Saraiva, entre outras, crescem tanto? Por que estatísticas recentes indicam que o mercado editorial está crescendo? Por que jornais, com a Folha de S. Paulo, por exemplo, lançam, com sucesso, coleções de livros?
Será que o prazer dessa Instantaneidade é matar apenas os redatores publicitários?
4. Atormentado por essa dúvida, fui buscar, na minha estante, o livro Tem gente achando que você é analfabeto, do Ruy Lindenberg, editado em 2001 pela W/Brasil.
Ele aborda um anúncio que tem exatamente aquele título e que teve tanta repercussão que resultou no livro. Afora o texto introdutório do Ruy,o livro, de 225 páginas, contém apenas mensagens dos leitores.
Surpresa: o texto do anúncio tem uma página inteira, sem ilustração. Senti vontade de reproduzir aqui pelo menos uma parte dele, mas acho uma injustiça com o Ruy e com você. Compre o livro para saboreá-lo e aprender como se escreve.
5. Foi mesmo a Instantaneidade que, cruelmente, assassinou o redator e o texto?
Ou foi uma dupla formada pela Preguiça e Falta de Talento?
Faça sua aposta."
3 comentários:
mto legal o texto, e aposto na dupla preguiça e falta de talento.
Muita gente acha que publicidade hoje é imagem e ponto final. Muitos redatores deixaram de trabalhar em duplas e hoje atendem 2, 3, 4, 5 diretores de arte. É um absurdo, mas conheço várias agências assim. Sem o trabalho do redator, lá se vai a argumentação. E se a moda publicitária do momento é provocar o estranhamento através da imagem (como a campanha da linha Dove Firming, que utiliza mulheres de vários pesos e medidas), como se aproximar da audiência sem explicar o que aquela imagem está fazendo ali com aquele produto (no caso da Dove, "testado em curvas de verdade")? Num país de analfabetos funcionais, quem sabe usar bem as palavras é rei.
Texto é tão importante quanto imagem, basta ter senso do que é necessário.
Gostei da "pegadinha" dele :)
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